Sempre me interessei pelo Diabo como personagem de ficção. Ou os diabos, porque existem afinal infinitas formas de representar o mal. Das histórias tradicionais da “Bíblia” a um anti-herói que simboliza a liberdade individual como em “Paraíso Perdido”, as histórias de compra da alma com contratos cheios de letras miúdas e até o Diabo cômico que só se dá mal nas do cordel nordestino.
E tem a versão da DC Comics encontrada em “Lucifer”. A série é na verdade um spinoff, com o Lucifer aparecendo antes como imaginado por Neil Gaiman na série “Sandman”, quando ele resolve deixar de ser o príncipe do Inferno, entrega de bom grado as chaves de seus ex-domínios para o Sonho e vai curtir um período sabático.
Então a série acompanha um Lucifer nesse período de férias do Inferno, mais preocupado em manter um bar em Los Angeles, chamado “Lux”, do que em pecadores hordas infernais. O sossego não dura muito, ao receber de Deus uma carta em branco que o permitiria ir a qualquer lugar da existência. E se parece bom demais pra ser verdade, é porque é.
O próprio Lucifer fala que “Em qualquer assunto com o Paraíso eu penso em dissecar o cavalo e analisar suas entranhas”. Em busca de uma resposta para que tipo de armadilha essa seria, ele sai em busca de suas asas de volta – que ele aposentou ao deixar o inferno – assim como dos poderes premonitórios de um baralho de cartas de tarot consciente chamado Balsanos.
Ao longo das 75 edições a história principal vai sendo acompanhada de outras menores, com diversas reviravoltas, levando a mitologias de outras culturas além da abraâmica, à criação de um segunda Criação, Lucifer sem seus poderes tendo que enfrentar anjos e ser mais esperto que demônios, viagens pelas bordas da morte e realidade culminando em um confronto final na Cidade de Prata e o assento de Deus.
O que eu gosto dessa série é que ela acaba sendo uma “pós-cosmogonia”, uma continuação pop da história bíblica. Algo muito interessante que é levantado é quais os papéis reais do Inferno e Paraíso, o primeiro sendo mostrado como um lugar onde os penitentes sofrem por livre e espontânea vontade – talvez em um nível inconsciente – para tentar redimir seus pecados. O Inferno, mais do que a morada dos inimigos da criação, tem um papel positivo nela.
O mais interessante de Lucifer como personagem é sua defesa ferrenha do livre arbítrio e ódio com a religiosidade organizada. Mas, como em uma tragédia grega, quanto mais tenta agir com seu próprio livre-arbítrio ele acaba fazendo o que estava predestinado. Alguns personagens secundários são incríveis. Gostei em particular de Mazikeen, companheira de Lucifer e uma lilim, uma raça de criaturas que descenderam de Lilith. Também fascinante é a forma como a série imagina A Criação como algo cíclico, não foi a primeira nem a última “tentativa”.
Uma série incrível que me lembrou muito o sabor do selo Vertigo como em “Sandman”, mas que não deixa de trilhar os seus próprios caminhos.
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