Sentado em seu trono de prata, Eu Sou pondera a perfeição do vazio primordial. Cada desejo que tem é imediatamente satisfeito, pois sua vontade é tudo o que há, mas, em seu coração, Eu Sou está inquieto. Em seu estado absoluto Eu Sou sente como a onipotência e a impotência são dois opostos, mas a mesma coisa. Não há mudança, não há desafio, existe apenas torpor. Eu Sou deseja que em um único ponto do vazio se concentre um único grão de seu corpo, e ordena a si mesmo: “Faça-se a Luz”.
O primeiro brilho que existe explode em infinitos pedaços cintilantes que voam na velocidade do pensamento em todas as direções que existem. O frio lentamente abraça algumas das centelhas de luz e as embrutece em minúsculas esferas solidificadas. Mas, em seu coração, Eu Sou ainda se sente incompleto.
Eu Sou escolhe esquecer uma parte de si, e dá a esta parcela que não é mais sua o nome de “Vida”. A Vida se espalha em infinitas esferas e se divide em infinitas vidas, cada uma dotada de uma vontade autônoma. Eu Sou senta em seu trono de prata e pondera o caos da Vida. Vê como ela se multiplica e compete com seus semelhantes, vê como ela se alimenta como uma chama inquieta. Vê as alianças que fazem, como se organizam para poder melhor matar a outros e melhor se dividir. Ele vê como se tornam mais complexos, mais perfeitos, como saem do berço da água em direção ao chão e ao céu.
Eu Sou vê essas vontades estranhas à sua entenderem mais e mais a sua própria condição. Vê com que fome devoram o fruto da árvore do conhecimento, manipulando o mundo para que mundo os sirva como um escravo. Vê como chegam até a estabelecer perguntas sobre o motivo de sua existência e acerca de seu papel no universo.
Eu Sou vê que começam a enterrar seus mortos, que sentem a presença de Eu Sou e passam a cultuá-lo em diversos nomes que eles próprios inventam. Vê como depois de diversas de suas vidas, e de apenas um instante para Eu Sou, eles começam a observar os céus com olhos cada vez mais ambiciosos. Do não-poder nasce o rancor e eles começam a odiá-lo.
Eles desenvolvem a ciência, uma arma com qual renegam seu passado de adoração e com a qual pretendem invadir o céu para se tornarem tão poderosos quanto Eu Sou. Avançam, derrubando dia após dia cada um dos mistérios que os cerca. Manipulam o fogo, o ferro, os outros vivos, o cosmo. Nenhum limite, nenhuma barreira contém sua sede fanática por sabedoria.
Um dia acordam e querem ser um só. Criam gigantescas máquinas com os recursos de mundos inteiros, de galáxias. Criam anomalias no espaço e no tempo até que cada indivíduo é interligado em perfeição a todos os outros e se torna apenas um único neurônio de uma consciência maior. Eles ascendem e o grande vazio volta a existir.
O Homem, assim se auto denomina este novo Deus, vê Eu Sou pela primeira vez, em sua forma mais pura, sentado em seu trono de prata. Eu Sou olha em sua direção e diz: “Por que você demorou?”
O Homem se aproxima de Eu Sou com os olhos vermelhos e lhe fala: “Eu vim matá-lo, Pai. O Seu reinado terminou e este trono agora é meu”. O Homem deseja que Eu Sou não mais seja e Eu Sou não oferece resistência alguma, desaparecendo com um sorriso de satisfação no rosto. O Homem sobe ao trono e com seu infinito poder solta um urro de vitória que atinge tudo o que há, tudo que agora é Ele. Ele que agora é Eu Sou.
Um silêncio sombrio se estabelece. Eu Sou olha aos lados e enxerga o nada se estendendo até o infinito em todas as direções. Não há nenhum som, nenhum calor, apenas a escuridão o acompanha. Ele deseja estar em seu trono e no mesmo instante lá está.
Sentado em seu trono de prata Eu Sou pondera a perfeição do vazio primordial. Cada desejo que tem é imediatamente satisfeito, pois sua vontade é tudo o que há, mas, em seu coração, Eu Sou está inquieto. Em seu estado absoluto Eu Sou sente como a onipotência e a impotência são dois opostos, mas a mesma coisa. Não há mudança, não há desafio, existe apenas torpor. Eu Sou deseja que em um único ponto do vazio se concentre um único grão de seu corpo, e ordena a si mesmo: “Faça-se a Luz”.
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