Sempre me interessei pela estrutura de história de pessoas comuns ou sem poderes que se organizam para destruir um mal superpoderoso. A estrutura clássica está em Drácula, que apesar de todo o seu poder sobrenatural, é isolado do mundo, frente à equipe de pessoas comuns que se organizam, como o grupo de Van Helsing.
Tem bastante discussão só nisso, pode se dizer que o Drácula é um ditador arquetípico, enquanto Van Helsing e sua turma são um grupo democrático. E é uma estrutura que tem aparecido mais recentemente, como a série The Boys, já discutida no canal, no qual pessoas comuns se unem para matar super-heróis que na verdade são verdadeiros facínoras.
E a série The Hunters, da Amazon, é basicamente a série The Boys com nazistas lugar de super-heróis. Nos Estados Unidos nos anos 1970 um grupo de sobreviventes do Holocausto e aliados se unem para caçar nazistas que vivem tranquilamente nos EUA. O que acaba revelando uma possível conspiração muito maior que mostra que a Segunda Guerra não terminou de fato.
A ambientação setentista dá um sabor próprio a The Hunter, em comparação com The Boys, me lembrando o tom sombrio de Mindhunters. Ela também alterna de um jeito meio esquisito entre os horrores reais e uma estética “pulp, spaghetti western, blacksploitation, tarantinesca”, como na hora em que apresentam a equipe de caçadores como se fossem Os Superjudeus.
Jordan Peele, diretor de Corra! e Nós, cuida da produção, e ele consegue novamente colocar temas sociais relevantes no que poderia ser apenas uma história pulp. Em uma época como a nossa em que o discurso nazista é relativizado e totalitarismo é defendido como liberdade de expressão, o Holocausto é um bom lembrete da conclusão final do discurso de ódio.
A série bota o dedo na ferida em algo que nem chega a ser spoiler por ser fato histórico, que é como o governo dos EUA contratou diversos cientistas nazistas que cometeram atrocidades em experimentos humanos por medo que seu conhecimento caísse nas mãos dos soviéticos, e é atribuído a isso a vitória Americana na corrida espacial rumo à lua.
Os caçadores também formam um contraponto variado nos quesitos racial, étnico e de origem frente à homogenia e obsessão com “pureza” racial dos nazistas. A série traz um suspense constante e vai revelando aos poucos motivações reais dos personagens, assim como traz algumas reviravoltas que viram tudo de ponta cabeça.
É interessante que por mais que os caçadores sejam “heróis” – e quem não é se comparado aos nazistas – The Hunters aborda também o lado sombrio e o preço na alma da vingança e da busca da sobrevivência a todo custo. Você precisa cometer atrocidades para sobreviver, mas o quanto as atrocidades já não matam o povo e a cultura que você tentava salvar? E o quão fácil é um povo usar atrocidades do passado para justificar cometer ele próprio atrocidades.
Deixe um comentário