Território Lovecraft, de Matt Ruff é um livro que mostra que ser negro e tentar viajar no interior nos Estados Unidos nos anos 1950 é mais assustador que os horrores cósmicos indizíveis da obra de H. P. Lovecraft. O livro, que vai virar uma série da HBO, acompanha Atticus, um fã de Lovecraft e literatura pulp que vai até o coração racista dos EUA em busca do pai desaparecido, enfrentando desde o preconceito de todos os dias e rituais sangrentos e cultos esquecidos.
No final, Território Lovecraft acaba sendo uma releitura bem competente dos contos clássicos, ele consegue trazer a “sensação” dos contos do Lovecraft enquanto inverte o terror para algo muito mais assustador que é o racismo real. Temos fantasmas, portais para planetas distantes, predadores invisíveis, sociedades secretas e magias, mas nada disso é tão assustador quanto ser parado pela polícia na estrada pelo simples fato de ser negro sem saber se o policial vai inventar alguma desculpa para dar um sumiço em você.
E isso é muito relevante para os contos de Lovecraft. Alguns anos atrás eu tirei um ano para ler as obras completas de H. P. Lovecraft, todos os contos, poemas e livros na ordem cronológica em que foram escritos. Fiquei só devendo as correspondências dele que foram publicadas mesmo. Também li junto um livro que juntava cada conto com o momento da vida de Lovecraft, e ouvi um podcast sobre cada episódio. Duas coisas me chamaram a atenção. Primeiro porque não se fala tanto do ciclo dos sonhos dele e só do horror e segundo “que cara racista”.
Ainda que ache que ele tenha melhorado com a idade – seguindo a biografia dele percebe-se que ele ampliou o círculo de amizades depois do sucesso com suas correspondências – alguns contos são de revirar o estômago, não pelo horror, mas pelo preconceito do autor. E isso é algo que Território Lovecraft aborda diretamente, essa relação de admiração e nojo que os fãs de ficção científica, fantasia e pulp tem com essas histórias que muitas vezes são repletas de preconceitos.
O que acaba lembrando a importância de uma visão crítica sobre o racismo e preconceito nessas histórias. Você pode gostar das histórias, mas é importante pensar sobre elas criticamente. Você pode admirar a habilidade de um autor de contar uma história, mas não precisa aceitar suas opiniões só porque ele é seu “ídolo”
Território Lovecraft traz diversos contos repletos de referências literárias e pulp que fazem a alegria dos fãs, mas não tem medo de olhar no lado sombrio do gênero oa escancarar o racismo em primeiro plano. E, como disse, esse racismo endêmico nos EUA dos anos 1950 e que luta até hoje para voltar acaba sendo o mais aterrorizante de tudo.
Por final, gostei muito a trupe de personagens que Matt Ruff construiu no livro além de Atticus. Famílias e amigos negros que formam uma comunidade, enquanto os poderosos, por mais poderosos que sejam, no final estão sozinhos lutando entre si.
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