Um livro sobre a mitologia nórdica escrito pelo Neil Gaiman. É o melhor dos mundos: um escritor fascinante escrevendo sobre um tópico fascinante. E de fato ele consegue trazer o fascínio criatividade e bom-humor dessas histórias de deuses, gigantes, lutas, barganhas e fins inevitáveis.
A mitologia nórdica é fatalista, no sentido de que os próprios deuses estão fadados à morte e à destruição. Odin será engolido pelo lobo Fenrir, Thor soterrado pela serpente do mundo Jormungand, cada deus já conhece seu algoz e está impedido de impedir a profecia de se realizar. Não é de se surpreender que é uma mitologia feita sob medida para um povo de saqueadores como os nórdicos vikings, que eram prometidos uma festança constante até o embate final entre deuses e monstros.
Talvez muitos tenham entrado recentemente em contato com a mitologia nórdica pela versão da Marvel, o próprio Neil Gaiman recorda se apaixonar pela mitologia nórdica ainda criança pelas histórias de Jack Kirby. O original tem algumas diferenças dos quadrinhos e dos filmes. Thor é comicamente burro mesmo, perfeito brucutu capaz de matar qualquer coisa com seu martelo mágico, mas facilmente enganado por seu irmão Loki.
Loki é de fato um dos personagens mais fascinantes. É muito fácil imaginá-lo como simplesmente o mal encarnado, o demônio, responsável pela morte do amado deus Baldur. Mas Gaiman consegue capturar todos os nuances do personagem. Ele é o típico trickster, disseminador do caos, mas também salvador de situações impossíveis. Como o autor define define: “ele torna o mundo menos seguro, mas mais interessante.”
As interações entre THor e Loki são alguns dos momentos mais engraçados das sagas. Como Loki convencendo Thor a se vestir de noiva para enganar um gigante, ou se transmutando em égua para distrair o cavalo de um construtor da muralha dos deuses – e voltar grávido e envergonhado depois.
Mas a figura mais curiosa para mim é Odin. Que se enforcou por dias na árvore da vida e sacrificou um olho pelo conhecimento. Sempre achei curiosa como sua sabedoria é representada. Com um olho afinal ele pode ver o presente, com seu corvo Memória ele tem a lembrança, vê o passado, e com seu outro corvo Pensamento ele prevê o que virá, vê o futuro. Mas mesmo com todo o seu conhecimento é incapaz de mudar o seu destino e sua morte inevitável.
Muito da mitologia nórdica se perdeu, vêm de histórias orais que só foram escritas posteriormente para sobreviver ao tempo. É como se de toda a mitologia grega apenas nos restassem as histórias de Teseu e Hércules. E encontramos indícios de outros nuances, como o embate entre as classes de deuses Aesir e Vanir, provavelmente o resquício de uma religião ainda mais antiga que foi incorporada.
Mas talvez o que eu mais goste de estudar essas mitologias antigas, é tentar imaginar as mentes humanas, as culturas em que elas habitavam. Como Gaiman define no livro: “História, religião e mito se combinam, e imaginamos e tentamos adivinhar, como detetives reconstruindo os detalhes de um crime há muito esquecido.”
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