Realidades Adaptadas é uma coletânea da editora Aleph de contos de Philip K. Dick que serviram de base para filmes. Temos aqui o embrião de longas como Minority Report, Screamers, O Vingador do Futuro e uma série de outros thrillers tecnológicos que você nunca ouviu falar ou nem fazia ideia que eram baseados na obra de Philip K. Dick em primeiro lugar.
Quem acompanha as resenhas sabe que sou grande fã de romances de Philip K. Dick como Androides Sonham com Ovelhas Elétricas? e Um Reflexo na Escuridão, ambos TAMBÉM com adaptações no cinema. A minha impressão é que depois do sucesso de Blade Runner, que veio do Ovelhas Elétricas, produtores estavam em busca do “próximo” Blade Runner, ou no mínimo os contos e livros de Philip K. Dick tem apelo cinematográfico instantâneo. Afinal, envolvem indivíduos perseguidos por governos ou conspirações paranoicas em que a realidade é questionada. Mesmo nos filmes do gênero que não nasceram diretamente de K. Dick, de A Rede, Inimigo do Estado a Transcendente, a influência do autor pode ser sentida.
Ao ler esses contos em pleno século 21 é fácil que eles pareçam ser só mais um roteiro desses techno thrillers. Mas veja as datas de publicação. A maioria dos contos foi escrita nos anos 1950, quando boa parte da ficção científica era histórias pulp em Marte ou filmes preto e branco de atores com fantasias de ET de borracha. Nesse sentido, não é de se estranhar que esses roteiros tiveram tanto sucesso no cinema depois de 30, 40 anos. A ficção científica de Philip K. Dick estava pelo menos meio século adiantada de seu tempo.
Dito isso, e apesar de ter gostado dos contos (mais sobre cada um abaixo), continuo preferindo os romances que li de Philip K. Dick. Talvez em parte porque, nos contos, o autor não tem espaço para soltar realmente as asas na construção de mundo, e também por eles me darem a impressão de que ele ainda não tinha encontrado completamente a sua voz. Me deram a impressão de um K. Dick ainda em estado bruto, ainda mais próximo da ficção científica convencional. A contestação da realidade e memória já está aqui em alguns contos, mas é uma contestação de uma memória “limpa” como a de um computador, quando em seus livros posteriores a realidade é algo mais onírico, lisérgico. Parece um autor ainda não foi influenciado pela contracultura dos anos 1960, que tornaram a sua ficção científica praticamente um “sci fi que tomou ácido” no melhor dos sentidos.
Cada conto no livro tem um breve histórico do filme que gerou, mas gostei mesmo de um postfácio final com considerações do próprio K. Dick sobre o que achava de cada conto.
Lembramos Para Você a Preço de Atacado (O Vingador do Futuro) – O conto parte por um caminho um tanto diferente do filme, mais à fundo na contestação do que é real. Traz muitas ideias interessantes como: Se você contrata alguém pra te vender uma memória, como você sabe se ele já não te vendeu uma memória antes? E uma das minhas passagens favoritas do livro: “uma ilusão por mais convincente que fosse não passava de uma ilusão. Pelo menos em termos objetivos. Em termos subjetivos era totalmente o oposto”.
A Segunda Variedade (Screamers) – Numa Terra devastada por um conflito entre EUA e União Soviética, máquinas criadas como armas acabam evoluindo variedades próprias e aprendem a replicar o comportamento humano para fins de infiltração. Um conto que mistura a paranoia de infiltração comunista típica da guerra fria com o tema do perigo da inteligência artificial. Quando a inteligência deixa de ser humana podemos não gostar de como ela nos vê.
O Impostor (O Impostor) – Um conto sobre um cientista que é acusado de ser um robô que se apossou do corpo, memória e da identidade do cientista original. Novamente traz a questão de que se você não consegue ver a diferença entre alguém real e uma máquina… a diferença importa?
O Relatório Minoritário (Minority Report) – O conto se concentra menos nas perseguições do que no filme de Tom Cruise e traz ideias como: o quanto saber uma previsão muda a previsão? O quanto saber uma previsão CAUSA a previsão? Como o exemplo de Édipo Rei, que só dormiu com a mãe e matou o pai porque estava justamente tentando evitar a profecia divina de que faria isso. O conto também aborda mais a tensão entre o exército e a polícia, assim como a natureza metafísica de você culpar alguém por um crime que ela vai cometer. Mas se você a impede, crime nenhum é cometido para ela ser culpada.
O Pagamento (O Pagamento) – Thriller sobre um homem que tem as memórias de dois anos apagadas voluntariamente após trabalhar para uma empreiteira, e ao invés da bolada de salário recebe objetos aparentemente sem valor como pagamento. E conforme seu próprio pedido, mas ele não lembra por que pediu. O conto levanta uma ideia intrigante: quanto vale algo comum como um copo de água, por exemplo? Um dia, se você está confortável em seu apartamento escrevendo uma resenha de livro, pode valer alguns centavos. Outro dia, se você está morrendo no deserto, pode valer todo o dinheiro do mundo.
O Homem Dourado (O Vidente) – O meu conto favorito da coletânea. Um agente do governo investiga “mutantes” no interior dos EUA, numa atmosfera que lembra muito a caça às bruxas comunista dos anos 1950. E há uma descrição fascinante de um mutante que esquece do passado, mas “lembra” do futuro, quase como um pré-pensar. Ou melhor, não pensa, porque pensar é imaginar cenários para o futuro. Se você já vê o futuro pode simplesmente reagir por um reflexo; pensar é irrelevante. E você é imune a todo o medo, pois já sabe o que vai acontecer.
Equipe de Reajuste (Agentes do Destino) – Um conto mais curto sobre como saber a realidade pode não ser tão bom quanto achamos. Ou que pelo menos alguns podem escolher felizes viver numa ilusão.
Muito boa a resenha, me incentivou a compra para ler essa obra dele, mais antes tenho que termina A Revolução dos Bichos por que não consigo ler dois livro de uma vez kkk. E o que me fascina nos livro de ficção foi o que vc escreveu aqui “os contos e livros de Philip K. Dick tem apelo cinematográfico instantâneo. Afinal, envolvem indivíduos perseguidos por governos ou conspirações paranoicas em que a realidade é questionada.” e esse autor tem de sobra. Tenho um livro dele aqui em casa ubik não sei se vc leu mais fica dica.