A Grande Luta, de Adriano Wilkson 📖 Leituras do Solari #133

Se eu dissesse que meu interesse por MMA é zero estaria mentindo. Porque eu ativamente fujo de notícias de MMA – e esportes em geral – então acho que meu interesse vai para abaixo de zero. Mesmo assim, ano passado não consegui tirar os olhos de uma longa reportagem do UOL Esporte envolvendo um lutador de Guarulhos às vésperas de uma luta trancado de madrugada em um motel tentando emagrecer quilos e quilos até a pesagem da manhã.

Essa matéria é o ponto de partida de A Grande Luta, de Adriano Wilkson, que depois da reportagem acompanhou por mais um ano a vida do lutador Acácio “Pequeno”, mostrando sua rotina e como a batalha diária fora dos octógonos pode ser mais cruel que os combates dentro dele.

A perda radical de peso para lutar em categorias de peso mais baixo é algo muito difundido no MMA, mesmo que as organizações minimizem a prática. E, por radical, entenda que é perder 20 kg em um mês. Com Acácio ainda trabalhando como segurança dois turnos de 8h cada e ainda indo treinar 2h depois. Tudo isso com uma dieta de 400g por dia. E assim que a pesagem termina a insanidade continua no sentido reverso, com os lutadores se empanturrando até ganharem 15 kg até a luta do dia seguinte. O livro continua a partir da matéria, mostrando o que aconteceu com a vida de Acácio e até o impacto que a reportagem teve em sua vida.

Algo que acho que diferencia o texto do Wilkson de outros é que ele não entendia nada de MMAs. Ele próprio diz que tinha ao MMA “a mesma atenção que dedicava a escrever sobre bocha ou críquete”. Isso dá uma perspectiva de estrangeiro, que fez chamar a atenção do drama humano por trás da perda radical de peso, quando para os iniciados é apenas parte da rotina. Outro exemplo de detalhe que caracteriza os personagens: o oponente de Acácio é de uma família tradicional de lutadores e entra na luta com um hip hop agressivo. Que música Acácio escolhe para entrar? Chopis Centis do Mamonas Assassinas.

Com Acácio como fio condutor, o livro se expande para o MMA como um todo, do nascimento do jiu jitsu dos Gracie a competições icônicas como o Pride UFC. Eu me lembro desse período dos anos 1990 do então chamado “Vale Tudo” antes do jiu jitsu se consolidar. Parecia assistir um jogo de Street Fighter, um cara de capoeira poderia lutar contra um de sumô. O livro também traz o perfil de outros lutadores, de outros que buscam o estrelato como Acácio a lendas como Kazushi Sakuraba. Além do próprio lado pessoal do autor de impressões de treino a seu crescente conhecimento sobre o esporte e a mente dos lutadores.

O livro acaba levantando questões que vão muito além do MMA ou do esporte, como a obsessão da nossa sociedade pelo sucesso, e o que afinal é “chegar lá” na vida. Nesse sentido, faz o que uma boa crônica esportiva deve fazer na minha opinião, que é usar o esporte para mostrar o drama humano do atleta. O esporte é só o palco.

Tive a oportunidade de fazer algumas perguntas para o autor Adriano Wilkson. Seguem abaixo:

Você já conheceu Acácio em um momento dramático. Como foi essa primeira aproximação?

Adriano Wilkson – Conheci o Acácio pouco antes na pesagem, durante o treinamento. Ele estava com a boca seca, tinha a voz baixa, mal falava. Estava de mau humor e debilitado, na pior parte do processo de perda de peso da pré-pesagem. Já ali eu imaginei acompanhar além da entrevista, ficar perto e entender ele.

O UFC criou um instituto que propõe orientar os atletas para ter uma perda de peso segura. Sabem que isso [a perda radical de peso] é uma realidade e se for feita de uma forma amadora que pode dar sérios problemas. Mas existem dezenas de milhares de atletas que não estão ainda no UFC e eles fazem isso por conta própria. No caso do Acácio, o treinador criou a programação, com dieta e processo e seguem o cronograma. Ele diz que tem o controle da situação, salvo momentos do carro [transformado em uma sauna]. Pareceu que foram mais agressivos ali, que cruzaram uma linha. É algo arriscado, não temos como saber as consequências a longo prazo disso.

O livro me deu a impressão de que, justamente por você não ser entendedor de MMA e UFC quando o começou, teve um olhar de estrangeiro de perceber coisas que quem esta no meio talvez não perceba. Por isso que acho que tanto a reportagem quanto o livro interessam também a quem não tem interesse pelo esporte. Você concordaria?

Hoje falei sobre isso, sobre o livro ser de um assunto que não dominava, esse olhar de estrangeiro foi fundamental. Algo que quem estivesse direto nisso não perceberia. Quando falava da perda de peso, pra eles não era algo muito palpitante. Isso já tinha sido abordado, achavam, mas quando eu vi de perto saltou aos olhos. Meu interesse maior foi tentar trazer esse universo de quem é de dentro. Tinha um preconceito sobre o tema, mas com o livro pude conversar e estar aberto para ver os seus preconceitos questionados. Hoje já consigo entender o que acontece na cabeça de um lutador. É uma violência dentro de um conjunto de regras. Se batem, mas acaba a luta e se abraçam.

O livro mostra a luta de Acácio fora do octógono, com dois empregos e pressões familiares. Parece que a luta fora do octógono para sobreviver e tão difícil quanto. Como jornalista de esportes você deve encontrar essa situação de que o esporte para muitos brasileiros é sinônimo de futebol e outras modalidades ficam esquecidas.

Mesmo no futebol, quem tem uma vida sossegada é uma parte ínfima perto dos que batalham ganhando a vida nas divisões de base. Quando você fala de outros esportes é ainda mais dramático. Não tem salário e estrutura. Isso é uma realidade comum e nem é pauta. É mais uma história, nem salta aos olhos. No caso do Acácio tentei mostrar quem tenta viver do esporte. No livro mostro mais a vida pessoal, quem é a pessoa por trás do atleta. A grande luta do título, ela não acontece. Ele tenta lutar e não acontece. Mas tem a luta de se descobrir pai, ficar ao lado da família, comportar a vida de atleta. Questionar se vale a pena manter esse sacrifício.

Como você vê o fato do livro poder ter influenciado a carreira de Acácio?

Conversei bastante com ele depois da matéria. Ela repercutiu muito, ele recebeu muitas críticas. Conversei com ele quando foi publicado. Ele disse que achou que a matéria foi positiva, passou a ser mais conhecido. O drama dele foi exposto e achou que a maioria das pessoas conseguiu entender.

Por outro lado, promotores acharam ruim, uma publicidade negativa, alguns não quiseram aproximação por isso. Não queriam estar ligados a um atleta que passava por isso, que é uma publicidade negativa para o esporte. A exposição do drama dele foi o que eu mais vi nos comentários. Eu fico com a opinião dele.

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