Altered Traits, de Daniel Goleman e Richard J. Davidson – 📖 Leituras do Solari #219

Você é um deus? Não. Eu estou acordado. – Buda

Ao longo da vida, eu meditei por diversos períodos. Principalmente em fases de estresse, dificuldades para dormir quando eu trabalhava na redação do UOL do turno da noite. Mas por mais que eu goste da meditação como prática, eu cultivei certas reservas pela cultural ocidental da meditação, e o que é hoje vendido como “mindfullness”, como produto de marketing.

E mindfullness também como hype narcisista. Eu tenho a firma convicção que Deus corta as asas de um querubim toda vez que alguém posta uma foto meditando em frente ao sol nascente e mete lá a hashtag “gratiluz”. E por mais que eu use aplicativos para auxiliar na minha meditação de iniciante, eu tenho que tolerar o tom good vibes meio infantil, falando pra sentir o ar entrando nos pulmões como uma carícia, quando eu tenho uma perspectiva muito mais de Capacidade Negativa, aceitar dúvidas e incertezas e os tons sombrios da vida.

Por isso me interessei por Altered Traits, um livro que, por mais que tenha sido escrito por meditatores, parte de um ponto de vista cético para tentar se desgarrar do marketing onipresente e mostrar quais são os benefícios da meditação comprovados por estudos científicos, e por estudos científicos rigorosos, com grupos de controle para evitar o erro de que Correlação não implica causalidade. Algo muito importante na nossa 59P Era da desinformação, meditação, assim como perder peso, é praticamente impossível de se buscar online sem ser bombardeado pelo marketing. Tanto direto por algoritmos como por textos tendenciosos.

Uma distinção importante mostrada no livro são da variedade do que entendido por “meditação”. Existem centenas de tipo de meditação, mas todas são incluídas em um mesmo balaio de “mindfullness”. E os diferentes tipos de meditação podem ter resultados diferentes. Por exemplo, simplesmente observar a respiração, ou escanear as sensações do corpo, ou ponderar a compaixão, como melhorar, o Treinamento da compaixão.

Além de buscar separar ciência e marketing, Altered Traits também tenta identificar quais seriam os benefícios transitórios da meditação que se esvam em pouco tempo, e se a meditação é capaz de causar mudanças permanentes na personalidade e funcionamento do cérebro. Altered “state” vs Altered “trait”.

Uma diferenciação importante que o livro faz é entre o que os autores chamam de “caminho amplo” de “caminho profundo”. Por mais que ambos os caminhos tragam benefícios, o caminho amplo é uma perspectiva muito mais ocidental de incluir alguns minutos de meditação na rotina cotidiana. O caminho profundo já é encontrado em monges que dedicam a vida à prática, monges que meditam 8 ou mais horas diárias, participam de retiros de semanas, ou até peregrinações de 3 ou 4 anos de meditação.

O livro usa uma classificação do nível de experiência de praticantes por horas de meditação. Alguém com mil horas de meditação já é considerado experiente, mas o livro analisa também pessoas com 10 mil, até um yogi com 60 mil horas de prática, Yongey Mingyur Rinpoche, para diferenciar os efeitos da meditação no cérebro.

Por mais que melhorias como diminuição do estresse e controle de dor crônica sejam os principais pontos do caminho amplo, o livro mostra efeitos surpreendentes no cérebro de monges do caminho profundo. Ele é capaz de entrar em um estado de concentração profunda em segundos e o escaneamento do seu cérebro mostra um funcionamento radicalmente diferente, uma presença constante de atenção que não é alcançada por pessoas normais em um estado de vigília. O mais importante é a atenção.

Isso vai de encontro com a ideia Consciência não é fixa, que podem existir outros estados de consciência além do sono e vigília. Uma dificuldade para o estudo científico da consciência, é que podemos ver um escaneamento cerebral, mas não a vivência individual da consciência. Como percebemos a consciência é uma experiência tão individual, imensurável. Como comparar o quanto a minha percepção da realidade é igual à sua, por exemplo, se tenho apenas a minha consciência como parâmetro.

A palavra “Buda” é muitas vezes traduzida como “o iluminado”, que a meu ver dá uma ideia mais cristã, quase como um santo que recebe a luz de deus. Mas outra tradução pra Buda é simplesmente “aquele que acordou”. Ele teria “acordado” do estado normal de vigília, assim como nós acordamos de um sono.

Eu encontrei uma edição portuguesa disponível no Brasil chamada Traços Alterados, editora Temas e Debates.

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