Ainda sem edição no Brasil, The Kings of the Wyld é o início de uma trilogia sobre um grupo de mercenários aposentados de um mundo de fantasia que precisa sair em uma última missão suicida para salvar uma cidade sitiada por uma horda de monstros.
A premissa em si não é muito criativa e a construção de mundo não é particularmente criativa, mais um retalho de diversas referências e monstros da fantasia. Mas o livro compensa pelos personagens, cada um aí sim criativo, com diálogos bem escritos e engraçados, de forma que o próprio bando de Saga se torna um personagem à parte.
Temos o líder carismático que já viu dias melhores, mas ainda carrega uma espada mítica capaz de dividir mundos. Um mago meio avoado e obcecado pela cura de uma enfermidade mortal, mas que hoje paga as contas mesmo fazendo creme contra impotência para os moradores vizinhos. Um ladrão habilidoso em usar duas facas para retalhar inimigos que se tornou um rei barrigudo e corno manso. Um guerreiro do sul de poucas palavras com machado gigante. E Clay, cujo ponto de vista o livro segue, pacato pai de família que só queria ficar em casa, mas é impelido pela amizade a ajudar o grupo e carrega um escudo mítico quase indestrutível.
O livro me botou pra pensar como um personagem pode ser vários, dependendo da época da vida dele que a história é contada. Os guerreiros da Saga são aqueles heróis do arco tradicional do herói que viveram aventuras e mataram o dragão, mas vemos a história deles depois que voltaram pra casa e viraram pai de família. E pela conversa pegamos muito das aventuras passadas de Saga, histórias entre os integrantes, quem ferrou com quem. Histórias até que ficaram em suas armas, escudo manchado por ácido de uma mantícora, machadada de um troll.
Gostei da descrição de luta de velhos. Dor nas juntas do ombro na hora de defender com o escudo, cansam rápido, ofegante, a força falta, tenta dar um golpe e erra porque é bem mais lento do que lembra. Tem um lado cômico ler os velhinhos lutando, mas também um lado talvez mais heroico do que de jovens guerreiros. Eles lutam não só contra monstros, mas as limitações do próprio corpo.
Os mercenários idosos também têm aquela perspectiva de “quando cheguei tudo isso era manto” frente aos novos bandos de aventureiros “millennials, fanfarrões”, que estão mais preocupados em se mostrar para multidões nas arenas do que pegar o batente enfrentando monstros de verdade nas florestas selvagens.
Apesar do grosso da construção de mundo não ser tão criativa, o livro traz algumas surpresas. Como os Duirn, espécie de elfos com orelha de coelho que tinham um império séculos atrás que entrou em decadência, deixando relíquias do passado. Assim como o tal Wyld do título cheio de monstros e perigos, corujas sem carne, plantas carnívoras que imitam o som das vítimas, raios com fogo, bichos assassinos em cada pântano.
The Kings of the Wyld têm diversos momentos de humor, como uma luta com todos com combatentes com ereção gigantesca por derrubarem uma espécie de viagra medieval no recinto, tendo que errar as flechas em chamas no barco de funeral do amigo que fingiu que morreu, o fato de que o bardo do bando sempre morria. É um livro que ao mesmo tempo ri e homenageia seus heróis de idade avançada, mostrando que eles que já forem uma brasa se assoprarem podem acender de novo.
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