Virgem Depois dos 30, de Atsuhiko Nakamura e Bargain Sakuraichi đź“– Leituras do Solari #172

Mangá documentário aborda o fenômeno dos incel, celibatários involuntários, através de oito japoneses com mais de trinta anos que nunca tiveram relações sexuais

O termo “incel” tem se tornado popular ultimamente para denominar o crescente número de homens virgens que formaram uma subcultura própria na internet. Mas apesar do fenômeno agora ser identificado no ocidente, às vezes atrelado a atentados, ele existe há décadas no Japão, deixando marcas profundas na sociedade do país.

No Japão, um em cada quatro homens solteiro acima dos 30 anos nunca fez sexo. É um exército de mais de 2 milhões de virgens adultos. Isso é particularmente preocupante em uma nação em queda livre demográfica, que encolhe em torno de 350 mil habitantes por ano. É como se uma cidade do tamanho de Blumenau sumisse do Japão a cada ano que passa.

Através dos oito personagens, Virgem Depois dos 30 mostra a complexidade do tema. Temos um virgem que cuida de idosos, o que o autor considera o “escoador de virgens adultos”, por reunir muitos homens sem qualificação no mercado de trabalho, que concentraria a maior quantidade de virgens. Outro é um fã de animes que é praticamente vive na rua, mas assiste horas e horas diárias de animes sozinho em seu computador e só sente atração por mulheres de desenho. Um fã de “idols” que gasta grande parte de seu salário acima da média com loucuras como comprar 300 CDs de sua cantora favorita. Outro que passa o dia desenhando fantasias pornográficas. Outro que descarregava sua frustração sexual escrevendo o dia inteiro comentários contra coreanos em fóruns de extrema direita, e que achava que qualquer conversa era uma paquera, e chegava até a fazer uma planilha para justificar suas fantasias. Um homem que passa décadas indo em encontros de solteiro em vão. Tem até, acredite, um ator pornô virgem que participou de diversos filmes e nunca nenhuma atriz aceitou fazer sexo com ele!

Isso mostra a imensa complexidade do tema, e como a cultura incel se divide em diversos subgrupos, e que vai muito além dos retratados no mangá. Como o caso dos “soshokukei danshi” (literalmente “meninos herbívoros”), adolescentes que não possuem interesse nenhum em sexo. O autor até considera virgem um dos documentados que só fez sexo com prostitutas, algo que concordo. Porque essa “virgindade mental” vai além do ato sexual em si, mas é sobre imaturidade de relacionamento. Após cada personagem, o mangá traz um artigo fascinante falando mais sobre o tema, com estatísticas e mais impressões sobre o personagem.

Vale dizer que o livro pega pesado do juízo de valor. Ele critica a sociedade japonesa por não aceitar os incel, mas ele demonstra muito das mesmas críticas, pintando em momentos a imagem de fracassados. Isso vale muito para Sakaguchi, o cuidador de idosos que foi baseado em um homem que o autor conheceu. Ele também deixou escapar um ou outro comentário xenofóbico e homofóbico que me fez erguer as sobrancelhas.

Os casos retratados em Virgem Depois dos 30 são extremos, mas acho que no dia a dia da nossa realidade encontramos comportamentos que se explicam por esse masculinidade furiosa em busca de aceitação. O grande perigo que eu vejo, e que o livro aponta, é que essa massa de pessoas raivosas é facilmente transformada em massa de manobra para grupos políticos extremistas. Sabe por quê as mulheres não te dão bola? Por causa do feminismo. Ou por causa dos estrangeiros que roubam os empregos. A frustração sexual é algo primal e perigoso. Lembro de um artigo que li anos atrás de gangues de golfinhos sexualmente frustrados matando focas por prazer. E cada vez mais essa crescente frustração pode se tornar uma arma.

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