Publicado pela Companhia das Letras, o livro Ă© uma coletĂąnea de artigos da filĂłsofa Djamila Ribeiro sobre questĂ”es de raça e gĂȘnero, alĂ©m de conter uma introdução autobiogrĂĄfica chamada A mĂĄscara do silĂȘncio.
Ă bom tirar algumas coisas da frente antes de tudo. Quem assiste aos vĂdeos atentamente pode ter percebido que eu nĂŁo sou mulher. Ou negra. E pessoas me perguntaram porque estava lendo sobre feminismo negro sendo homem e branco, quando a pergunta jĂĄ traz a resposta. Justamente por ser homem e branco o livro traz um aspecto da vivĂȘncia humana que eu nĂŁo experiencio, mas que Ă© realidade diĂĄria para muita gente.
Gente, eu nĂŁo tenho nada contra homens brancos. Convivo com homens brancos no trabalho. O porteiro do meu prĂ©dio inclusive Ă© homem e branco e eu comprimento ele todo dia, sem o menor preconceito. O que eu nĂŁo sei Ă© o que Ă© andar na rua de noite com mais medo da polĂcia do que ser assaltado. Eu nĂŁo tenho medo de ser estuprado. Eu nĂŁo cresci com a autoestima abalada porque a escola inteira falava que o meu cabelo era âruimâ por ser liso como macarrĂŁo. E ouvir o relato de quem passou e passa por isso a meu ver sĂł amplia a minha cabeça.
Outra coisa que vou ouvir Ă© que o livro Ă© âcoisa de esquerdaâ. Eu nem me considero de esquerda pra ser bem sincero. Acho que esquerda e direita sĂŁo posiçÔes econĂŽmicas bem tĂ©cnicas, privatizar mais ou menos, enfatizar a economia ou programas sociais. Convencionou-se que ter respeito ao prĂłximo e se opor ao preconceito Ă© de esquerda no ambiente polĂtico de quinta sĂ©rie polarizada em que vivemos. Se tentar ouvir pessoas com experiĂȘncias diferente da minha Ă© coisa de esquerda pra vocĂȘ, entĂŁo sou de esquerda pra vocĂȘ.
Uma questĂŁo interessante que o livro levanta Ă© porque ter um feminismo negro, e nĂŁo falar apenas em feminismo? A resposta Ă© a mesma de falar em feminismo e nĂŁo sĂł direitos humanos. Claro que Ă© preciso respeitar todos os seres humanos, mas o termo geral mascara problemas pelos quais as mulheres passam, assĂ©dio, diferença salarial, etc. Ă preciso tornar especĂfica a luta dos direitos das mulheres para evidenciar os problemas das mulheres, e das mulheres negras para mostrar os problemas especĂficos de mulheres negras. Como a dificuldade de encontrar espaço e serem ouvidas dentro do prĂłprio movimento feminista.
Os artigos abordam temas variados como o humor como ferramenta de opressĂŁo para manter o status quo, declaraçÔes de celebridades, o mito de uma âdemocracia racialâ no Brasil, privilĂ©gio (e falta de), como ter poder na sociedade Ă© ter voz, que racismo reverso existe tanto quanto unicĂłrnios, blackface, fantasias de Carnaval, fetichismo com âmulatasâ e, de particular interesse para mim, se homens brancos podem protagonizar a luta feminista e antirracista. (Spoiler: nĂŁo. Mas podemos sim ajudar a espalhar a voz de minorias).
Mas o texto que mais me marcou foi mesmo a introdução A mĂĄscara do silĂȘncio, por ser um relato fascinante de como Djamila foi adquirindo consciĂȘncia gradual do machismo e racismo da sociedade. Os comentĂĄrios dos colegas sobre a âneguinhaâ da sala, a sensação constante de exclusĂŁo, e como a constante descoberta do feminismo negro foi dando nome a questĂ”es que a angustiavam, mas que ela nĂŁo sabia o porquĂȘ. Afinal um primeiro passo para resolver um problema Ă© reconhecer que ele existe. Dar nome a ele.
E daà a importùncia de livros como Quem tem medo do feminismo negro? Por mais que eu saiba que as atitudes de preconceito relatadas no livro são reais, como homem branco elas são tão fora da minha realidade que eu preciso abstrair para imaginar como deve ser a vida assim. Mas força que um livro desses tem nas mãos de uma menina negra, ver os seus problemas ali nomeados, explicitados, dissecados, ver que não estå sozinha. à uma sensação que eu com empoderamento e privilégio saindo pelos meus ouvidos só posso imaginar.
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