O Santo Sangue é uma HQ lançada recentemente com roteiro de Laudo Ferreira e arte de Marcel Bartholo com forte influência do folclore nordestino e religiosidade popular. A narrativa segue um matador velho que arrasta consigo um passado no qual já parece ter cometido todos os pecados que existem para cometer, e envolve uma menina que passa a ser considerada santa ao conseguir fazer curas milagrosas com seu sangue menstrual. Além do roteiro de Laudo, o desenho de Bartholo lembra o estilo de xilogravuras da literatura de cordel, tanto no traço com as cores de terra.
A HQ me lembrou a série Yeshuah de Laudo, já com resenha no canal, no sentido em que parece mostrar uma religiosidade antes dela tentar ser organizada por instituições para se tornar “oficial”. Aquela tentativa inicial do cérebro humano de explicar os fenômenos da natureza, cheia de mistérios e contradições, que depois são transformadas em regras para controle social.
O Santo Sangue me botou particularmente para pensar em como um mesmo fenômeno pode ser considerado um milagre ou uma maldição. Como pessoas diferentes podem olhar para uma mesma entidade da natureza e considerá-la um anjo ou um demônio, sendo que a entidade e força da natureza não cabe na moral humana. É como transformar a chuva em divindade e discutir se ela é boa ou má. Depende se ela está te afogando ou salvando a sua lavoura. Um deus que cura o seu inimigo pode muito bem ser considerado o diabo.
Eu sempre achei que, se existe um inferno perfeito, ele consistiria em cercar uma pessoa com a vida dos maiores prazeres que ela pode oferecer, mas a incapacidade de apreciá-los. E pior que existe gente assim. Talvez a maior maldição que exista seja a incapacidade de enxergar o bem. Sem a capacidade de enxergar as bênçãos você pode ao mesmo tempo ser um bilionário e ter uma vida miserável.
A HQ também lembrou minha experiência com o ayahuasca. O meu causo com o ayahuasca talvez seja melhor contado em outro momento, mas eu entendi essa atração religiosa e de abertura da percepção que pode ter. Eu lembro nitidamente da sensação de ter engolido algo vivo e antigo. E O Santo Sangue capturou muito bem essa sensação. O livro foi lançado pela editora Jupati.
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